Segunda, 22 Setembro, 2025 - 17:38

Javalis, prejuízos agrícolas e a necessidade urgente de soluções verdadeiras

O problema com números concretos

Portugal enfrenta hoje um problema nacional que não pode ser ignorado: a densidade excessiva de javalis está a gerar prejuízos agrícolas avultados, além de representar riscos de saúde pública, acidentes rodoviários e desequilíbrios ambientais.

  • A população de javalis em Portugal é estimada em cerca de 300 mil animais, considerada “sobreabundante”.
  • Os prejuízos nas searas de milho de 2022 rondaram os 8 milhões de euros. Em 2024, o valor repetiu-se, apenas nesta cultura.
  • Em Espanha, só a Galiza regista 15 milhões de euros/ano de prejuízos, e a Comunidade Valenciana fala em 40 milhões/ano.
  • Em França, os danos indemnizados ultrapassaram os 60 milhões de euros na temporada 2021–2022.

Não se trata de casos isolados. É um problema económico e social estruturante, com impacto direto na agricultura e indireto na saúde pública e na soberania alimentar.

Impactos ambientais e sanitários

O excesso de javalis não afeta apenas culturas agrícolas.

  • Desequilibra ecossistemas: destrói ninhos de aves, depreda ovos de espécies ameaçadas e revolve o solo, acelerando a erosão.
  • Compromete a regeneração florestal, ao consumir plantas jovens e alterar o coberto vegetal.
  • Aumenta riscos de doença, sobretudo da peste suína africana. Este vírus já causou perdas gigantescas em países como Alemanha ou Polónia. Se chegar a Portugal, pode bloquear exportações de carne de porco, um setor vital para a economia rural, com centenas de milhões de euros em risco.

Este não é, portanto, apenas um problema agrícola: é uma questão de equilíbrio ambiental, saúde pública e soberania económica.

O protocolo do Governo em Coruche: operações de cosmética

Em Coruche, o Governo assinou um protocolo para “combater os prejuízos causados por javalis no milho”. Houve discursos, fotografias e promessas de ensaios com cercas elétricas, redes e jaulas de captura. Mas nada disto é novo. São medidas já usadas há anos, muitas vezes sem eficácia comprovada, e não existe um plano nacional que vá além destas experiências pontuais.

O que mais salta à vista é a exclusão dos caçadores. Num país cinegeticamente ordenado, onde praticamente todo o território está integrado em zonas de caça, são eles o elemento indispensável para reduzir densidades populacionais. Conhecem o terreno, investem recursos próprios e estão presentes todo o ano. Sem caçadores, qualquer estratégia é condenada ao fracasso. Espanha e França perceberam-no. Portugal, ao ignorá-los, revela uma grave falta de visão.

Além disso, o protocolo não define quem paga a conta: agricultores, contribuintes, caçadores ou o próprio Estado. Sem um modelo de financiamento, o documento é apenas papel com boas intenções. Na prática, serviu mais para criar manchetes do que para resolver o problema.

A inoperância do ICNF

Se dúvidas houvesse, o caso da Arrábida é revelador: javalis descem até às praias para tomar banho, entram em restaurantes e circulam livremente em zonas urbanas. A resposta do ICNF foi autorizar alguns abates pontuais, apenas depois de o tema ter ganho dimensão mediática. Este padrão repete-se em todo o país: o Instituto só age sob pressão, de forma reativa, sem qualquer estratégia consistente.

Durante anos, o ICNF limitou a capacidade de controlo da espécie, impondo restrições e adiando medidas de gestão ativa. Ao mesmo tempo, centralizou processos burocráticos que atrasam qualquer intervenção no terreno, transformando pedidos de autorização em verdadeiros labirintos administrativos.

Mais grave ainda é a negação de responsabilidades. Sempre que surgem prejuízos agrícolas, acidentes rodoviários ou invasões em zonas urbanas, o ICNF apressa-se a declarar que “não é da sua competência”, empurrando o problema para agricultores, autarquias ou zonas de caça. Esta postura tem alimentado conflitos permanentes entre agricultores e caçadores, deixando o Estado de fora da solução — apesar de ser o principal responsável por definir e coordenar políticas públicas de conservação e gestão de espécies.

O Instituto também recusa integrar os caçadores como parceiros estratégicos, tratando-os apenas como executores de ordens. Ora, são precisamente os caçadores quem garante presença no terreno, quem financia parte da gestão e quem tem meios reais para reduzir densidades. Ignorá-los é um erro estrutural que compromete qualquer plano de gestão.

Por fim, o ICNF vive numa contradição permanente: por um lado, limitou durante anos o controlo do javali, contribuindo para a sobrepopulação; por outro, quando o problema se torna insustentável, autoriza intervenções avulsas e mediáticas, que não resolvem nada e apenas servem para “apagar fogos” de opinião pública.

O resultado desta política é claro: densidades populacionais fora de controlo, prejuízos agrícolas insustentáveis, aumento de acidentes rodoviários e um risco sanitário crescente com a ameaça da peste suína africana. O ICNF não só falhou em prevenir o problema como continua a fingir que ele não lhe diz respeito.

A solução da FENCAÇA

Enquanto o Governo insiste em protocolos avulsos, a FENCAÇA apresentou uma proposta legislativa concreta para alterar o artigo 114.º do Decreto-Lei n.º 202/2004.

No centro está a criação de um Fundo Nacional de Compensação de Prejuízos Cinegéticos, financiado por fundos comunitários, Orçamento do Estado, setor agrícola e setor cinegético.

Este fundo permitiria:

  • Compensação justa e célere aos agricultores;
  • Repartição equilibrada de responsabilidades;
  • Exclusão de prejuízos provocados por espécies de difícil controlo, como o javali, assumidos integralmente pelo fundo;
  • Critérios claros de avaliação, prazos definidos e arbitragem independente.

É o modelo que já funciona em Espanha e França. Portugal só está atrasado.

Os javalis deixaram de ser apenas um problema de agricultores. Hoje são uma ameaça à economia rural, à segurança rodoviária, ao equilíbrio ambiental e à saúde pública.

É tempo de o Governo assumir responsabilidades. Não bastam protocolos mediáticos para enganar a opinião pública: é preciso um fundo nacional, compensações justas e uma verdadeira estratégia de controlo. Sem caçadores, Portugal nunca resolverá este problema. O Ministro tem de decidir se quer resolver de facto ou se prefere continuar a fazer cosmética política.

Jacinto Amaro

Acesso Restrito

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