
O que Alcoutim podia ser (Artigo DN)
Não chegam a 300 os quilómetros que separam Lisboa de Alcoutim, mas este Algarve raiano de pinhal e montado, desconhecido da maioria dos portugueses, está cada vez mais abandonado. Enquanto em São Bento se discute paliativos para atrair gente ao Interior, o concelho vai perdendo vida e cada vez mais são os espanhóis, mas também ingleses e franceses, que tiram partido do potencial de uma rica e diversificada capital cinegética. Nada que os portugueses, os que não se incluem nos pouco mais de 2500 que ali ainda vivem, estejam interessados em conhecer, sem fazer qualquer ideia do incrível espetáculo que a natureza oferece a quem ali se desloca.
Exceção à sangria dos portugueses, é graças à caça e aos cada vez mais turistas que chegam para a praticar - os nossos, rendidos aos ímpetos animalistas, tantas vezes ignorantes de como essa prática faz a comunhão com a sustentabilidade - que Alcoutim vai resistindo ao total abandono, crescendo em valor passado de boca em boca pelos que vêm de fora.
Caçar está longe de materializar a ideia correntemente disseminada de matar. É, na verdade, a conservação que mais se afirma nessa atividade - a começar pelas verbas que a caça destina ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, de que é principal financiador, garantindo mais de metade do orçamento anual. Porque é preciso cuidar os ecossistemas para que se mantenha o equilíbrio. Porque esse cuidado acaba por criar condições naturais únicas não apenas para as espécies caçadas, mas para outras, como o lince-ibérico, que em Alcoutim já vive e se reproduz sem intervenção humana, tendo deixado de estar na lista de espécies em risco.
Há também valor económico que podia ser explorado e atrair não apenas turistas, mas novos habitantes. O potencial impacto económico da caça no país ultrapassa os mil milhões de euros, mas Portugal aproveita menos de um terço. Só na zona de Mértola estamos a falar de 7300 postos de trabalho permanentes e mais de 100 mil empregos sazonais potenciados pela cinegética, habitantes da região que aqui veem um plano de futuro, mas que podiam multiplicar-se por muitos mais, revalorizando uma faixa menos litoral de um país que não devia verdadeiramente falar em interioridade.
Abandonado pelos portugueses, Alcoutim pede há anos uma ponte que possa facilitar a travessia do Guadiana e atrair mais espanhóis, caçadores e outros, à região. Quem sabe assim se anima o território, se rejuvenesce e se torna suficientemente atrativo para ali fixar algumas famílias novas. A mais recente esperança reside agora no PRR, que a projeta para 2025. Há que esperar e ter esperança.
Alcoutim é apenas um exemplo de como o profundo desconhecimento do país e a centralidade das políticas estão a matar o resto de Portugal, sobretudo a parte do país que se estende para além de 100 quilómetros de São Bento.
Artigo de Joana Petiz em:
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/27-fev-2023/amp/o-que-alcoutim-podia-ser...