ROLA COMUM: Setembro 2021
A APLICAÇÃO DA MORATÓRIA NA CAÇA À ROLA COMUM (STREPTOPELIA TURTUR) EM 2021 PELOS GOVERNOS DE PORTUGAL, DE ESPANHA E DE FRANÇA
A Comissão Europeia (CE) advertiu previamente França e Espanha de que, caso abrissem a caça à Rola Comum (RC) em 2021, o procedimento de infração, que já se encontrava em curso, seguiria para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Ao contrário destes dois países, Portugal não foi objeto de qualquer procedimento de infração. Desde março de 2021, enquanto se aguarda pela elaboração do Plano Europeu de Gestão Adaptativa cuja finalização está prevista para setembro de 2021, que a Comissão pretendia que Portugal (e os demais poises da rota ocidental), suspendesse a caça a esta espécie, sob pena de também iniciar um procedimento de infração contra Portugal. Mas, só em meados de agosto, cinco meses depois da posição da CE ser conhecida, é que a Secretaria de Estado das Florestas do nosso país tomou a decisão de suspender a caça à RC.
Como se processa o Procedimento de Infração pela Comissão Europeia?
No seio da CE existe um Grupo de Especialistas na Diretiva Aves e Habitats, pilares da legislação sobre natureza, designado grupo NADEG (EU Expert Group on the Birds and Habitats Directive), composto pelos representantes dos Estados Membros. A representação de Portugal está a cargo do Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), estando atualmente registados 3 dos seus técnicos.
A CE tem o direito de intentar ações judiciais contra os Estados-Membros que não cumpram as obrigações que lhes são impostas em termos de direito comunitário, de acordo com o artigo 258 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFEU, Treaty on the Functioning of the European Union).
O procedimento inclui as seguintes etapas:
Fase 1. A CE envia uma carta de notificação formal ao Estado-Membro para que este forneça uma explicação pormenorizada da violação. O Estado-Membro tem dois meses para responder.
Fase 2. Se a CE não ficar satisfeita com a resposta, pode enviar um parecer fundamentado, indicando as razões pelas quais a resposta dada pelos Estado-Membro não foi considerada satisfatória. Este parecer fundamentado convida os Estados-Membros a adotarem as medidas necessárias para corrigir a situação e a cumprirem o direito comunitário. Os Estados-Membros tem dois meses para responderem ao parecer fundamentado e para o cumprir.
Fase 3. Se a CE não ficar satisfeita com a resposta ao parecer fundamentado, pode decidir intentar um processo judicial no Tribunal de Justiça da União Europeia.
Os Procedimentos de Infração em França e em Espanha
Em 2020, a CE enviou um procedimento de infração – parecer fundamentado - a Espanha e a França, convidando-os a aplicarem a taxa zero na caça à rola comum na época 2021, e a corrigirem as situações que originaram o incumprimento dos artigos 3º, 4º (nº2 e nº3), 7º (nº1 e nº4) da Diretiva "Aves".
França- Procedimento de infração nº 2019/2144
A nível de contencioso europeu, a CE enviou à França um parecer fundamentado pela não-implementação das medidas necessárias para preservar e restaurar os habitats favoráveis à RC e por ter autorizado, em 2019, uma quota de abate diferente de zero a esta espécie.
Em resposta a este parecer, além do compromisso de suspender a caça na temporada 2021-2022 (para evitar a ação judicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia), França alegou já ter implementado diversas medidas de gestão de habitat e reduzida a taxa de abate.
Com efeito, em janeiro de 2019, França criou um Comité de Especialistas em Gestão Adaptativa e elaborou um Plano de Gestão Adaptativa para a RC. E a 5 de maio de 2019, este Comité recomendou que a quota de abate para a época venatória 2019/2020 não excedesse 1,3% do número de abate estimado para os caçadores franceses, equivalente a 50% do valor máximo estimado como sustentável por modelos demográficos, ou seja 18.300 aves. Por decreto ministerial de 30/8/2019, foi fixado a quota de abate da RC em 18.000 aves.
Em 2019, entrou em vigor uma aplicação móvel gratuita, CHASSADAPT, para download nos seus dispositivos móveis, de utilização obrigatória pelos caçadores de RC, para registo imediato das aves abatidas.
Em 2020, O Comité de Especialistas em Gestão Adaptativa considerou que, devido à falta de novos elementos desde 2019, renovava o parecer para a época venatória 2020/2021. O Ministério da Transição Ecológica emitiu, pois, um Despacho autorizando o abate de 17.460 aves, menos 3% que no ano anterior, tendo em consideração a tendência anual de redução das populações.
O decreto foi objeto de recurso pela CE, por considerar que o Conselho de Estado deveria ter suspendido à caça devido ao declínio populacional, ao invés de reduzir a quota máxima de abate. Seguiu-se uma consulta pública que culminou com a decisão ministerial, de julho de 2020, de suspensão da caça para a época de 2021/2022, Projeto de Decreto que recebeu o parecer favorável do Conselho Nacional da Caça e Vida Selvagem em 15 de julho de 2021.
A França alega ter elaborado um Plano de Gestão para a Rola Comum, em fase de validação internacional, cuja implementação permitirá ajudar a consolidar os conhecimentos relativos às populações desta espécie, estudar métodos de gestão para os ambientes mais favoráveis à espécie e ampliar ações já realizadas no território nacional com o objetivo de aumentar as populações.
Espanha- Procedimento de infração nº 2019/2143
A CE enviou à Espanha um procedimento de infração pela não-implementação de uma taxa de abate diferente de zero na caça à RC em 2019, após registos de caça insustentável à espécie, pela incapacidade de elaborar um Plano de Gestão Preventivo para determinar as quotas de abate, pela importante lacuna no conhecimento real das rolas caçadas e pela escassa aplicação de medidas de preservação e recuperação do habitat.
Em resposta, o Governo Espanhol comprometeu-se a suspender a caça na temporada 2021-2022 (evitando assim a ação Judicial no Tribunal de Justiça), e informou sobre as diversas medidas já tomadas e a tomar para a recuperação da RC.
A fim de determinar os mecanismos de recuperação de âmbito cinegético, o Ministério da Agricultura Espanhol lançou mão de dois mecanismos:
- Redução da taxa de abate desde 2017/2018;
- Encomenda de estudo sobre a sustentabilidade da caça à rola comum ao IREC (Instituto de Investigação em Recursos Cinegéticos) em 2018.
Apresentou as taxas de abate implementadas em todas comunidades espanholas na época de 2020/2021 (em termos globais registou-se uma redução de jornadas de caça, do número de horas por jornada e do número de abates), em comparação com a época venatória 2019/2020. Igualmente, apresentou os dados de abate registados desde 2004 a 2020, para confirmação do decréscimo.
O estudo recomendado ao IREC recomendou a redução da quota de abate, devendo esta ser fixada entre 35% a 50%. Em 2019, o abate de aves foi de 633.142 (face a 2015 onde se registaram 918.000 aves abatidas). O estudo alega que, pese embora os números finais ainda não se encontrarem apurados, a redução estimada rondaria os 31% ( dentro dos valores recomendados pelos especialistas).
Confrontado pelo procedimento de penalização, o Governo Espanhol apresentou diversas medidas adicionais para a temporada 2021/2022:
- Aplicação da taxa de caça zero;
- Criação e um Plano de Gestão Adaptativo e sustentável para a RC na rota ocidental, alteração dos períodos de caça;
- Recuperação de habitats favoráveis à RC.
Enumerou e reconheceu a importância dos diversos investimentos realizados pela comunidade de caçadores e sociedade civil (Projeto PIRTE- da Fundação Artemisan e Federação Espanhola de Caça) e realçou os resultados positivos obtidos ao nível do habitat e de recuperação da população reprodutora em zonas de caça que gerem esta espécie. Fez referência ao Observatório Cinegético pelo seu trabalho de monitorização da população por meio de uma aplicação para telemóveis, ferramenta a aplicar na recolha dos animais abatidos, em tempo real.
Informou que algumas comunidades já possuíam Planos de Gestão Adaptativa, e nas demais, os mesmos se encontrarem em fase de elaboração.
Assumiu o compromisso de que as medidas da PAC (Politica Agrícola Comum) contemplariam apoios agroambientais, vocacionados para a recuperação de habitats e da população de RC.
Em relação à regressão da RC, faz referência à sua variação, de país para país. A população de RC europeia mostra uma estabilização e moderado crescimento entre 2013 e 2018, segundo dados do sistema “SACRE” (censos de animais realizados por voluntários que registam a presença e abundancia de espécies de aves em diferentes lugares de Espanha continental e peninsular).
Neste momento, a Comissão Europeia avalia as respostas fornecidas pelos governos Francês e Espanhol antes de tomar uma decisão, sendo determinante o facto desses países não terem aberto a caça à RC em 2021.
Situação de Portugal
Portugal não foi objeto de nenhum procedimento de infração. Desde março de 2021 que tinha conhecimento da recomendação da CE de suspensão da caça à rola nesta época venatória. Caso tivesse decido não seguir essa recomendação e permitir a caça, ficaria sujeito a um procedimento de infração (processo similar ao de Espanha e França).
O representante do Governo Português junto do NADEG, técnico do ICNF, participou nas videoconferências organizadas pela CE em dezembro de 2020 e, mais recentemente a 23 e 24 de março de 2021 onde se pronunciou favoravelmente à aplicação de uma moratória pelos restantes países da rota ocidental. Neste webinar, a FENCAÇA, a Real Federação Espanhola de Caça, a Federação Nacional de Caçadores Franceses e a Federação das Associações dos Caçadores Europeus (FACE), defenderam em conjunto a aplicação de uma taxa de caça positiva ainda que residual, enfatizando que a manutenção da caça à espécie é fundamental para manter o interesse dos caçadores e consequentemente os seus investimentos na recuperação da RC. Por intermedio da FACE, foi elaborada, e enviada à CE uma proposta conjunta destas três federações.
Através dos seus representantes, O ICNF participou ainda nas reuniões do NADEG, realizadas a 25 de março de 2021 (onde voltou a defender a aplicação da moratória, caso Espanha e França também aplicassem a moratória -ata da reunião) e a 27 e 28 de abril de 2021. Nestas reuniões a CE voltou a solicitar aos Estados Membros que seguissem a sua recomendação de aplicação da taxa zero para 2021.
Na reunião de 28 de abril de 2021, onde o ICNF esteve presente, a CE solicitou aos Estados Membros que, até final do mês de maio, respondessem por escrito às seguintes questões:
- Concorda com a aplicação da quota zero na rota ocidental para 2021 e até que a população apresente sinais de recuperação?
- Concorda com as condições propostas para rever a opção de aplicação da taxa zero- e a aplicação desta opção na rota ocidental no futuro?
- Concorda com o sistema de gestão proposto?
- Indique as medidas destinadas a melhorar e restaurar o habitat da rola comum na rota ocidental da União Europeia, tendo em conta os seus Quadros de Ação Prioritária (PAFs), os seus Programas de Desenvolvimento Rural (PDRs) e os próximos Planos Estratégicos da Politica Agrícola Comum (PAC).
Em maio, o ICNF deu resposta às questões colocadas, tendo para isso de decidir se aplicar, ou não, a moratória à caça à RC em 2021. No inicio de junho de 2021, o ICNF estava em condições de tornar pública a decisão que tomou de aplicação da moratória na caça à RC em 2021 em Portugal.
Em 10 de maio publicou o calendário venatório ( Portaria 100/2021) onde a RC constava como espécie cacável. Doze dias antes da abertura da caça, a 2 de agosto (Portaria 168_A/2021), o ICNF tornou publica a proibição da caça à RC.
Este processo revela desorganização, desinteresse e falta de articulação entre o ICNF e da Secretaria de Estado das Florestas, e desinteresse pelo alerta da FENCAÇA mas, acima de tudo, desrespeito pela comunidade de caçadores e pelos investimentos financeiros e pessoais que estes realizaram em prol da RC.
Recomendamos por isso ao ICNF e à Secretaria de Estado a leitura das atas das reuniões do NADEG e a resposta do procedimento de infração elaborado pelo Governo Espanhol à Comissão Europeia, que reconhece o esforço e os investimentos da comunidade de caçadores na recuperação da espécie.
A decisão de suspensão da caça RC foi tomada. Mas efetivamente, o que fez a Secretaria de Estado das Florestas para recuperar a Rola Comum?
- Não elaborou qualquer Plano Nacional de Gestão (recomendados pela CE após elaboração dos dois Planos Europeus de 2007-2009 e de 2018-2028).
-Não possui nenhum Plano de Gestão Adaptativa (o projeto ProRola continua a aguardar por apoios financeiros para ser desenvolvido e implementado).
-Não possui dados de monotorização que lhe permitam aferir a situação da RC em Portugal e adaptar as taxas anuais de abate à realidade do nosso país.
-Não identificou medidas nem implementou ações de recuperação de habitat.
-Não permitiu que os steakholders acompanhassem as negociações da PAC nem dá nota das medidas de apoio que está a elaborar.
-Não desenvolveu e disponibilizou aplicativos para dispositivos móveis de monotorização e dados de abate em tempo real.
Que devemos esperar?
A falta de dialogo e de articulação entre as instituições governamentais competentes e os caçadores terá de ser rapidamente uma lembrança desfocada do passado. É importante percebermos que apenas através de uma colaboração transparente e efetiva será possível garantirmos o objetivo comum que éa recuperação da Streptopelia turtur e a manutenção desta espécie como caçavel.
Paula Simões
Fencaça